quarta-feira, 27 de agosto de 2008

SER PSICÓLOGO É MUITO BOM...


Dê valor aos privilégios ocupacionais


Raramente ouço meus colegas terapeutas se queixarem de que suas vidas não têm significado. A vida de terapeuta é uma vida de entrega na qual transcendemos diariamente nossos desejos pessoais e voltamos o nosso olhar para as necessidades. e crescimento do outro. Obtemos prazer não apenas pelo crescimento do nosso paciente, mas também do efeito da reverberação - a influência salutar que nossos pacientes têm sobre aqueles com quem eles têm contato em suas vidas.
Há um privilégio extraordinário nisso. E uma satisfação extraordinária, também.
Na discussão anterior sobre os riscos profissionais, descrevi o árduo e perpétuo auto-escrutínio e trabalho interior exigidos pela nossa profissão. Mas exatamente essa exigência é mais um privilégio que um fardo, porque é uma salvaguarda embutida contra a estagnação. O terapeuta ativo está sempre evoluindo, crescen­do continuamente no autoconhecimento e percepção. Como seria possível uma pessoa guiar os outros num exame das estruturas profundas da mente e da exis­tência sem examinar a si mesmo? Tampouco é possível pedir a um paciente que se concentre no relacionamento interpessoal sem examinar seus próprios modos de se relacionar. Recebo muito feedback dos pacientes (que estou, por exemplo, me refreando, rejeitando, sempre julgando, que sou frio e distante) e é preciso levar esse retorno a sério. Eu pergunto a mim mesmo se coincide com minha experiência interna e se outros já me deram um feedback semelhante. Se concluo que o feedback é preciso e ilumina meus pontos cegos, sinto-me grato e agradeço a meus pacientes. Não o fazer, ou negar a veracidade de uma observação precisa, é debilitar a visão do paciente sobre a realidade e se engajar, não na terapia, mas na antiterapia.
Somos guardiões de segredos. Todos os dias os pacientes nos honram com seus segredos, frequentemente nunca antes compartilhados. Receber tais segredos é um privilégio concedido a bem poucos. Os segredos proporcionam uma visão de bastidores da condição humana, sem afetações sociais, encenação de papéis, bravatas ou poses de palco. Algumas vezes, os segredos me chamuscam e, então, vou para casa, abraço minha mulher e retomo as coisas abençoadas que tenho. Outros segredos pulsam dentro de mim e despertam minhas próprias memórias e impulsos fugidios, há muito esquecidos. Outros, ainda, me entristecem quando sou testemunha de toda uma vida que pode ser desnecessariamente consumida pela vergonha e incapacidade de se perdoar.
Aos que são guardiões de segredos é concedida uma lente esclarecedora pela qual podem ver o mundo - uma visão com menos distorção, negação e ilusão, uma visão da maneira como as coisas realmente são. (Consideremos, nesse aspec­to, os títulos dos livros escritos por Allen Wheelis, um eminente psicanalista: lhe Way Jhings Are, O esquema das coisas, The Illusionless Man.)
Quando recorro a outros que dispõem do saber de que todos nós (terapeuta e paciente, igualmente) carregamos o fardo de segredos dolorosos - culpa por atos cometidos, vergonha por não ter agido, anseios de ser amado e apreciado, vulnerabilidades profundas, inseguranças e medos -, eu me aproximo deles. Ser um guardião de segredos tornou-me, com o passar dos anos, mais gentil e tole­rante. Quando encontro indivíduos inflados de vaidade ou presunção, ou que se distraem por qualquer uma de uma infinidade de paixões devoradoras, eu intuo a dor de seus segredos profundos e não faço um juízo, mas sinto compaixão e, acima de tudo, conectividade. Quando fui exposto pela primeira vez, num retiro budista, à medição formal de benevolência, senti-me bem à vontade. Creio que muitos terapeutas, mais do que se acredita, estejam familiarizados com o reino da benevolência.
Não apenas o nosso trabalho nos dá a oportunidade de transcender a nós mesmos, de evoluir e crescer e de sermos abençoados com uma clareza de visão do verdadeiro e trágico conhecimento da condição humana, como também nos oferece muito mais.
Somos desafiados intelectualmente. Tornamo-nos exploradores imersos na mais grandiosa e mais complexa de todas as buscas - o desenvolvimento e a pre­servação da mente humana. De mãos dadas com os pacientes, saboreamos o pra­zer das grandes descobertas - a experiência do "arrá!" -, quando fragmentos ideacionais discrepantes subitamente deslizam suavemente, unindo-se com coerência. Em outras ocasiões, somos parteiras do nascimento de algo novo, libertador e enobrecedor. Vemos nossos pacientes desvencilharem-se de padrões contraproducentes, desprenderem-se de antigos ressentimentos, desenvolverem entusiasmo pela vida, aprenderem a nos amar e, através deste ato, tornarem-se carinhosos com os outros. É uma satisfação ver outros abrirem as torneiras de suas própn fontes da sabedoria. Às vezes, sinto-me como um guia que escolta os pacientes através dos cômodos de sua própria casa. Que prazer é vê-los abrirem as portas para os cômodos em que nunca entraram antes e descobrirem novas alas de sua casa contendo partes em exílio - partes sábias, belas e criativas da identidade. Algumas vezes, o primeiro passo desse processo está no trabalho dos sonhos, quando o paciente e eu ficamos maravilhados com as construções engenhosas e imagens luminosas que emergem da escuridão. Imagino que professores que ensina a escrever com criatividade devam passar por experiências semelhantes.
Por fim, sempre considerei um privilégio extraordinário pertencer à venerável e honrada agremiação dos que curam. Nós, terapeutas, fazemos parte de un tradição que remonta não apenas aos nossos ancestrais imediatos da psicoterapi começando com Freud e Jung, e todos os ancestrais deles - Nietzsche, Schop nhauer, Kierkegaard -, mas também Jesus, Buda, Platão, Sócrates, Galeno, Hipócrates e todos os outros grandes líderes religiosos, filósofos e médicos que, desde o início dos tempos, ocuparam-se de cuidar do desespero humano.


Texto extraído do livro - Os desafios da Terapia

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